quinta-feira, 14 de março de 2013

A POESIA MARGINAL

        A poesia convencionalmente chamada de marginal é aquela produzida por autores que editam seus textos com recursos próprios e de várias maneiras.
Muitas vezes, nesse tipo de poesia, o papel é substituído por tecido e objetos.  Os livros que as poesias marginais compõem são de aspecto precário se comparados com edições convencionais.
Nos tristes anos 70, diante da forte repressão sociopolítica desencadeada pela ditadura militar e do desinteresse da indústria editorial, a poesia rompeu o compromisso com a realidade e com o intelectualismo modernista e passou a ser marginal, anárquica e diluidora.

VISÃO DA POESIA MARGINAL PARA OS POETAS

Muitos poetas ainda vivem a discriminação das editoras, tendo de confeccionar seus próprios poemas, mimeografá-los e reuni-los em um livreto muito precário. Pode se dizer que utilizam a mesma técnica do cordel.
Para os poetas marginais, não havia uma forma definida para o poema, tudo era válido, pois o poema para eles era vida. Faziam uso de uma linguagem "livre" e expunham o que queriam escrever da forma que bem entendessem, até mesmo com palavrões e vulgaridades, pois  para eles qualquer expressão era poesia.
Esse tipo de poesia, marginal,  foi desenvolvido sob a mira da polícia e dos políticos. Eram manifestações de protesto e denúncias que compunham poemas mal-acabados, irônicos e coloquiais, que muitas vezes zombavam da cultura e do próprio poeta. Os poetas vendiam seus poemas na praia ou em praças, declamando-os em bate-papos de botecos e entre amigos em esquinas.

Antonio Carlos de Brito assinou seus poemas e suas músicas com o pseudônimo Cacaso. Sua estréia literária, em 1967, foi com o volume de poesia A Palavra Cerzida, em que se notam influências de poetas da modernidade como Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Já em 1970, com Grupo Escolar, mudam-se os eixos de sua poesia, que passa a ter uma linguagem metafórica, cifrada, caricatural e irônica, muitas vezes com a presença da paródia, na qual o poeta marginal usa o espaço do poema para desprezar fatos de sua vida particular ou fazer suas confissões íntimas.

POEMAS:
Jogos florais                                     
I                                                     
Minha terra tem palmeiras                 
onde canta o tico-tico                        
Enquanto isso o sabiá                       
vive comendo o meu fubá.               

Ficou moderno o Brasil                      
ficou moderno o milagre:                   
a água já não vira vinho,                  
vira direto vinagre.                            
Jogos florais

II
Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.

Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.
(será mesmo com dois esses que se escreve paçarinho?)

Ana Cristina César criou-se entre Niterói, Copacabana e os jardins do velho Bennet. Fez sua primeira viagem pelo mundo em 1968, quando passou um ano em Londres. Retornou ao Brasil, deu aulas, cursou Letras, escreveu para revistas e jornais alternativos, participou da antologia 26 Poetas, publicou pela Funarte uma pesquisa sobre literatura e cinema, fez mestrado em Comunicação e lançou seus primeiros livros — Cenas de Abril e Correspondência Completa — em edições independentes. Dez anos depois, voltou para a Inglaterra, onde editou Luvas de Pelica. Em seu retorno ao Brasil, fixou residência no Rio de Janeiro. Trabalhou com jornalismo, televisão e escreveu A Teus Pés. Em 29 de outubro de 1983, Ana Cristina César suicidou-se.
Os versos de Ana Cristina César são, no final do século XX, ponto de partida para a poesia que se fez nova.

POEMA:
Tenho uma folha branca
                       e  limpa à minha espera:
mudo convite
tenho uma cama branca
                       e  limpa à minha espera:
mudo convite
tenho uma vida branca
                       e  limpa à minha espera
(CÉSAR, Ana Cristina. Inéditos e dispersos. São Paulo : Brasiliense, 1991.)

O curitibano Paulo Leminski nasceu em Curitiba (PR), em 24 de agosto de 1944. Foi poeta, filósofo, humorista, professor de história e redação em cursos pré-vestibulares, artista gráfico, compositor e tradutor. Era um vulcão de idéias e produção. Publicou seus primeiros poemas na revista Invenções, em 1964, que na época era a porta-voz da poesia concreta paulista.
Escrevia com tal intensidade de alegria e sofrimento, que a paixão pela poesia o caracterizou como um dos poetas mais completos de sua geração. Conseguiu reunir contradições suficientes e intensas para ser, ao mesmo tempo, escritor, poeta, prosador, tradutor, letrista de música popular e jornalista cultural.
Amadureceu em clima provinciano e absorveu, a seu modo, a contracultura dos anos 60: assimilava as conquistas do concretismo, mas articulava sua poesia com estilos breves, muitas vezes em forma de haicais*, provérbios, ditados e trocadilhos* infames em linguagem coloquial, abrindo mão, muitas vezes, do rigor poético.
Leminski, em suas obras, apresenta temas e preocupações político-poéticas ao mesmo tempo de maneira culta e bem humorada. Foi com Leminski que o haicai encontrou, fora da comunidade japonesa, a melhor e a mais conhecida realização no Brasil.
Além de ser tradutor e biógrafo, Leminski compôs, só ou em parcerias, com nomes importantes da MPB de seu tempo, como por exemplo, Milton Nascimento, Caetano Veloso, músicas que alcançaram algum sucesso.
Desde sua morte, em 7 de junho de 1989 a Fundação Cultural de Curitiba, celebra a multiprodução do poeta curitibano por meio do evento multimídia Perhappiness.

*Haicai: poema japonês constituído de três versos, dos quais dois são pentassílabos (cinco sílabas) e um, o segundo, heptassílabo (sete sílabas).

*Trocadilho: jogo de palavras parecidas no som e diferentes no significado que dá margem a equívocos.

CURIOSIDADE:
Catatau, primeiro livro escrito por Leminski, em 1960, mas publicado somente em 1975, é um projeto que Otávio Bezerra pretende realizar em filme. É uma idéia desafiadora por se tratar de um livro que o próprio escritor dizia não ser romance, conto ou novela e nem mesmo prosa ou poesia, ensaio ou ficção. Para ele, era uma fusão ou uma superação dessas categorias todas. Dizia ser a encarnação cibernética do ruído. Suas palavras: "E você pensa que eu vou passar minha vida fazendo um troço tão sem imaginação quanto escrever um livro?" Ainda reagiu dizendo: "Catatau é um rigor delirante ou um delírio rigoroso, não pretendo repetir a experiência."

POEMA:
eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora

quem está por fora
não censura
um olhar que demora

de dentro do meu centro
este poema me olha
(LEMINSKI, Paulo. Caprichos e relaxos. São Paulo : Brasiliense, 1983. p. 15.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário